Suzume No Tojimari: Entenda filme do diretor de Your Name

Suzume No Tojimari: Entenda filme do diretor de Your Name

Filme de Makoto Shinkai mergulha fundo no luto para explorar outras questões

Talvez você tenha ouvido falar que Suzume (ou Suzume no Tojimari), o mais recente longa de Makoto Shinkai, é uma história de amor entre uma garota e uma cadeira. E apesar de isso não estar exatamente errado, esta é uma história muito mais profunda do que parece. Diferente de Your Name (ou Kimi no Na wa), outro sucesso do estúdio CoMix Wave Films, este anime não é um filme de romance: é um filme sobre cura e memória afetiva.

Qual é a mensagem de Suzume?

Suzume, ainda criança, encarando uma pessoa misteriosa sob um céu estrelado
Longa começa com uma memória mal explicada da infância de Suzume (Créditos: Crunchyroll)

Muitas vezes subestimamos o poder de traumas. Um incidente mal resolvido no passado pode causar um desastre na vida de uma pessoa. Quando esse trauma atinge toda uma comunidade, esse estrago pode ser realmente catastrófico. E ainda assim, muitas vezes é uma destruição invisível, que passa despercebida até mesmo por quem ainda está sofrendo. As consequências são muito presentes, mas a origem acaba esquecida. Suzume é uma história sobre o papel das memórias afetivas no processo de cura de dores que sequer conhecemos.

A trama funciona como uma viagem terapêutica. Um encontro do acaso impulsiona a jovem Suzume a sair da sua rotina colegial e partir em uma viagem por diferentes cidades do Japão. Em cada destino de sua jornada, a jovem traz vida para a comunidade local e, em troca, é confortada por um trauma que acreditava estar resolvido.

Em essência, funciona como um filme de road trip, mais comum no cinema americano. Porém de uma forma introspectiva e suave tão marcante em filmes de anime como os do Studio Ghibli. A excursão externa é apenas um reflexo natural de uma jornada interna, muito pessoal e um tanto sincera. E essa viagem física por diferentes destinos do Japão ajuda a estabelecer a importância dos lugares na consolidação de memórias afetivas.

O que significa a chave de Suzume?

Suzume sentada comendo tangerinas ao lado de uma nova amiga. Suzume usa roupas colegiais. A amiga, de cabelos curtos, usa uma roupa esportiva. Há uma motocicleta amarela no fundo e um banquinho com olhos e uma chave.
Suzume cria novas amizades em sua jornada (Créditos: Crunchyroll)

Em cada parada, a garota constrói novas memórias pautadas na relação de afeto que surge por desconhecidos que encontra pelo caminho. Uma jovem que trabalha em uma pousada local, uma mãe solo que opera seu próprio bar para a terceira idade, um jovem adulto que sofre para passar em um concurso… São novas amizades que nascem da gentileza de forma orgânica e mostram o poder de se cercar com relações saudáveis, que te fazem bem e te impulsionam a seguir em frente.

Esses novos laços são importantes para a cura pessoal de Suzume, mas não apenas isso. Claro que mostram que não precisa ter terminado seu processo de recuperação para encontrar momentos felizes com as pessoas certas. Aquelas que restauram as suas energias sem grandes cobranças. Que tem uma colaboração mútua, em que todo mundo se ajuda. Mostram que basta abrir uma porta para o mundo e deixar entrar só quem realmente couber. Mas também acaba se tornando a chave que lhe permite solucionar a sua missão final de cura coletiva.

Suzume Chave
Suzume consegue usar as relações das pessoas com certos locais para criar chaves (Créditos: Crunchyroll)

Suzume está em uma cruzada sem um rumo certo, cheia de incertezas e explorando cantos completamente inéditos do Japão. Seu único guia é um gato que parece saber exatamente onde precisa estar. No caminho, encontra pessoas gentis que funcional como um farol, mostrando o caminho certo. E, com essas pessoas, constrói lembranças que vão ser cruciais para o desafio que vem pela frente.

A interação de Suzume com o povo local gera novas memórias para a menina. Por não ter outras lembranças destas cidades, que está desbravando pela primeira vez, o local exato em que esses relacionamento felizes desabrocharam fica muito ligado com tudo que viveu ali. De certa forma, a garota cria uma rápida memória afetiva com os lugares pela qual passou, o que é a chave para abrir as portas que virão pela frente.

O que significam as portas de Suzume?

Porta misteriosa de Suzume em uma redoma abandonada
Portas espalhadas pelo Japão podem invocar um grande mal para este mundo (Créditos: Crunchyroll)

O encontro do destino, bem no início do filme, revela à menina que existem portas escondidas, espalhadas pelos lugares mais inesperados do Japão. Nelas reside um grande mal, lutando para escapar e devastar as cidades com um terremoto desolador. A garota aceita o chamado para impedir essa tragédia, apesar de não entender muito o motivo. No fundo, ela tem toda a bagagem que precisa para encerrar os ciclos de dor desses lugares — mesmo sem perceber.

As portas aparecem apenas em locais abandonados. Estes lugares foram um importante ponto de encontro, em algum momento, de pessoas. Um espaço onde trocavam experiências alegres e construíam lembranças duradouras. Porém, com o tempo, novos lugares foram surgindo e o que antes eram grandes centros de interação urbana se tornam cemitérios emocionais. Lugares completamente esquecidos presentes nas memórias afetivas das pessoas, mas que elas simplesmente não se lembram.

Suzume andando sobre ruínas urbanas
Áreas abandonadas de cidades acabam virando ruínas de memórias afetivas (Créditos: Crunchyroll)

Puxando um pouco na memória, talvez você se recorde de alguns desses lugares que marcaram a sua vida e que hoje já não existem mais. Pode ser um mercado que fechou, mas que deixou memórias de tardes de compras tranquilas com os seus pais. Ou um parque de diversões que visitou a sua cidade e deixou saudade. Uma locadora que garantiu a alegria de seus finais de semana antes da disparada do streaming. Ou ainda uma casa que significou muito para você e acabou demolida para dar espaço para um shopping.

Estas ruínas modernas das memórias urbanas estão por toda a parte. Despercebidas, invisíveis e, ao mesmo tempo, adormecidas em nossa lembrança coletiva. Sua ausência deixa um vazio que muitas vezes não nos damos conta. Adormecidas no nosso subconsciente sem receber o seu devido valor. O que antes era um lugar que acumulava felicidade, de repente, se torna um verdadeiro vácuo emocional — representado pelo Verme do filme.

Ao construir novas memórias alegres nessa cidade, no presente, Suzume forja uma chave para entender exatamente o sentimento que esses lugares despertaram nas pessoas há tanto tempo. Sempre que ela é vista por alguém correndo em direção a esses lugares abandonados, ouvimos uma lembrança boa que essa pessoa teve naquele lugar. Um local que aquela pessoa, provavelmente, não pensa há muito tempo. É sua forma de manter as recordações daqueles espaços vivas. Uma porta entre as emoções positivas do antes e do agora.

Reacender a memória deste local funciona como uma chave que fecha com gentileza o vazio deixado por essa ausência que a cidade sentiu, mas não soube identificar. Uma renovação para que estas lembranças não acabem perdidas. É um compromisso com o universo de que novos lugares surgiram com o tempo para ocupar aquele espaço. Honra tudo de bom que aconteceu, apesar de tudo de ruim que veio depois.

Ao repetir esse ciclo, carimbando novos destinos em sua jornada, Suzume promove uma cura de um trauma coletivo não muito compreendido por aqueles que moram nessas cidades. Não entendido, mas sentido. E somente no final desta jornada, acumulando memórias afetivas o suficiente para conseguir compreender o padrão, que Suzume constrói ferramentas para curar a si mesma.

Entenda o final de Suzume

Suzume segura uma cadeira em um ônibus
Suzume e sua cadeira quebrada, que representa um trauma de infância (Créditos: Crunchyroll)

Se Suzume precisou construir lembranças boas para purificar a dor deixada em um lugar abandonado, o que acontece se não sobrar ninguém em um lugar para se lembrar de todo o bom que aconteceu ali? Este é o desafio final de Suzume. Para a menina curar a si mesma, precisa antes restaurar o afeto por uma cidade inteira, que abrigava centenas de famílias, que precisou ser abandonada às pressas por conta de um desastre natural.

Muitas crianças nasceram ali, muitos jovens se formaram e muitos casamentos foram celebrados no passado. Vidas inteiras aconteceram naquele espaço. Porém tudo isso foi apagado, de uma só vez, com a dor imensurável de um grande desastre natural. Não existe um culpado pela desgraça. Um foco para toda a frustração, para a vingança. Apenas um acaso do destino. Não restou nada para as pessoas além de sair e reconstruir as suas vidas longe dali.

Mas quem perde alguém importante fica marcado para sempre. Pode seguir em frente, sempre estará presa por um fio invisível do destino puxando de volta para aquele lugar. Uma memória agridoce, manchada por toda a saudade deixada, com resquícios do que veio antes. Somente esta pessoa teria as lembranças certas para purificar esse trauma coletivo. O problema é que a dor da perda pode ser avassaladora o suficiente para bloquear todo o resto.

Foi o que a aconteceu com Suzume ao longo de sua vida. O que aconteceu logo depois do desastre era um borrão em sua memória. E o que veio antes acabou engolido pela escuridão. Apenas com novas memórias afetivas, novos lugares para onde olhar em busca de conforto, que a menina consegue reunir forças para fechar de vez essa porta da sua vida. Fazer as pazes com o passado, relembrar dos momentos felizes juntos de quem perdeu e abrir o seu coração para o que ainda está por vir.

A porta final que Suzume fecha é a cura não só de tudo de ruim que aconteceu na região. É o fechamento do ciclo de tudo de ruim que aconteceu em sua vida. É uma porta para o passado com um olhar mais gentil, de quem sobreviveu aquilo para ver um futuro. É uma porta que marca quem escolheu viver — e viver cada pequena felicidade com as novas pessoas em seu caminho — quando o mundo lhe fez querer morrer. Este é o verdadeiro final de Suzume.

Suzume está disponível, com dublagem em português, na Crunchyroll.