Crítica sem spoiler: Deadpool e Wolverine repensa relevância dos filmes de herói em meio a sangue, piadas e homenagens

Deadpool e Wolverine CAPA
Deadpool e Wolverine CAPA

Novo filme da Marvel Studios, Deadpool e Wolverine tem muita consciência do que quer ser

Muita coisa mudou desde a última vez que Deadpool apareceu nos cinemas. Goste ou não, filmes de heróis não têm mais a mesma relevância que no auge da Marvel Studios. Junto à estreia de Vingadores Ultimato, a conclusão da saga de uma geração, foi-se embora a tolerância do público em assistir as mesmas histórias recicladas, com pouca profundidade e muita ação. E a Disney sabe disso. Com foco em divertir e sem propor soluções, Deadpool e Wolverine chega como um debochado e sangrento comentário sobre essa incerteza.

O que esperar de Deadpool & Wolverine?

Deadpool e Wolverine Logan
Logan traz um toque selvagem a ação (Créditos: Disney)

Assim como os demais filmes do anti-herói tagarela, a trama não é o grande forte do longa — e nem precisa ser. A premissa não foge da receita básica de multiverso, em que o mocinho precisa impedir a destruição de sua dimensão para salvar os seus amigos. E isso é o suficiente para contextualizar o público sem tirar o foco do que realmente importa: o humor autoconsciente e as sequências de ação violentas.

Como está a violência do filme?

Logo na primeira cena, qualquer receio de que a Disney tentaria maneirar na agressividade gratuita marcante do personagem vai pro caralho. O Deadpool da Marvel Studios é tão brutal quanto o mercenário da Fox sempre foi. Ele quebra ossos, perfura crânios e dilacera multidões de figurantes. A única diferença é que agora há dinheiro de sobra para esbanjar em coreografias mais ousadas. Tudo de bom e do melhor que só o orçamento inflado de efeitos especiais de um estúdio podre de rico poderia proporcionar.

E o Wolverine de Hugh Jackman se encaixa de uma forma surpreendentemente natural nessa dinâmica de ação. Enquanto a violência de Wade beira a veia cômica, Logan traz um aspecto mais selvagem e sério que equilibra bem as batalhas. Não é à toa que a dupla se enfrenta em boa parte do filme. Não só ajuda a desarmar a tensão entre os personagens de gênio forte, como rende um espetáculo com tudo de melhor que os fãs queriam ver.

Como estão as participações especiais?

Deadpool e Wolverine Laura Dafne Keen X
Laura não é a única surpresa no filme (Créditos: Disney)

Talvez o que melhor diferencie Deadpool e Wolverine de outros filmes da história recente da Marvel Studios é a maturidade em saber diferenciar o que o público quer e o que o público precisa. O filme entende a pressão que existe para acertar cada participação especial e mesmo assim não cede aos caprichos do público. Não há um desespero em agradar a qualquer custo para se manter relevante, como em Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura. Cada surpresa é calculada e certeira.

Quando não surgem para comentar o presente instável do cinema de super-heróis, os convidados aparecem para homenagear o passado do subgênero. Mais precisamente o legado da Fox no cinema de super-heróis, que começou no final dos anos 1990 como uma resposta ao sucesso dos filmes do Batman, da DC Comics. Todos os principais acertos e erros, que construíram a base para o império que viria a ser o Universo Cinematográfico da Marvel, são lembrados de uma forma ou de outra. Por sorte, não há sequer uma grande preocupação com o futuro, em amarrar pontas soltas ou introduzir novos conceitos e vilões. Apenas um sincero tributo para a casa que deu origem ao Deadpool e seu vício em quebrar a quarta parede.

Como está a comédia do filme?

Deadpool e Wolverine Dogpool
Dogpool é uma querida (Créditos: Disney)

Falando nesse mau hábito do anti-herói, óbvio que as piadas metalinguísticas também estão de volta com uma frequência absurda. Poderia ser apenas um artifício barato para conseguir risadas fáceis. Um jeito de surpreender o público pelo absurdo de ver referências tão diretas à realidade em uma obra de ficção. E de certo modo é. Faz parte da essência do personagem. Mas funciona ao focar seus comentários em dois pontos relevantes para a produção. 

Primeiro, na própria linguagem do cinema. Deadpool e Wolverine tem plena consciência que usa trapaças baratas para manter o enredo seguindo, sem perder o ritmo. E esse desleixo também vira motivo de piada, tirando sarro da dependência geral dos filmes atuais de grande orçamento, em especial dos filmes de super-heróis, nessas muletas narrativas. 

Presos em um formato de produção automático, como restaurantes fast-food, os roteiristas precisaram encontrar ferramentas mais ágeis para produzir seus filmes. E abusaram tanto de “macguffing”s, quests e outras estruturas rasas de roteiro que cansaram o público. Muita gente não entende muito o porquê, mas sente uma repetição enorme no cinema de heróis. Essa preguiça sufocou aos poucos a relevância do subgênero e levou ao declínio na indústria. 

Com essas piadas, o longa reconhece este vício com irreverência, sem propor qualquer solução. É uma forma de rir da própria desgraça, quando não se sabe como sair do buraco. E a grande causadora desse desgaste no gênero é a própria Marvel Studios, segundo alvo principal das piadas que falam diretamente com o público. 

Como o filme marca a estreia do Deadpool no estúdio, o roteiro não poderia deixar de lado críticas à maneira que a subsidiária da Disney conduz seus negócios. Não soaria sincero na boca de nenhum outro personagem do estúdio, nem mesmo da Mulher-Hulk, mas com o mercenário tagarela funciona. Exatamente por ele ser o único que parece ter carta branca para passar dos limites quando necessário.

Deadpool e Wolverine Carro
Cena do carro é a mistura perfeita de ação, comédia e música (Créditos: Disney)

Nunca chega a ser desrespeitoso com a empresa. Não pegaria bem com os acionistas. Mas ainda surpreende o quão longe as piadas conseguem ir. Desde ridicularizar a infantilização das principais produções do estúdio à preocupação em esconder inclinações políticas em uma tentativa de agradar todo mundo. De certo modo, o humor reforça que o declínio da popularidade da Marvel Studio é proporcional ao medo da Disney em sair de sua zona de conforto, algo que se repete no próprio Deadpool e Wolverine.

Apesar de parecer revolucionário um longa sangrento e cheios de palavrão no portfólio da empresa, a única razão que este filme existe é o êxito colossal de seus antecessores. Ainda na Fox, Deadpool provou que filmes para maiores podem gerar um lucro absurdo. E apenas confiando nesta garantia de sucesso que o projeto segue em frente, evitando qualquer coisa que possa colocar em risco um retorno financeiro garantido.

Talvez o maior exemplo seja a própria vilã, Cassandra Nova. Nas cenas divulgadas com antecedência para a imprensa em um evento especial no Rio de Janeiro, a poderosa mutante parecia ter o potencial de ser tão caótica e imprevisível quanto Jobu Tupaki de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo — uma adversária à altura do Deadpool.

Porém, apesar de demonstrar capacidade de fazer qualquer coisa acontecer, na prática ela se contém para não roubar o brilho, sem querer, do mocinho. O exemplo mais claro é no confronto final, que troca um embate direto por uma cena previsível. Parece uma decisão estranhamente artificial em um filme que tenta parecer tão leve e orgânico. Mas acaba sendo um sintoma da grande discussão que o filme ensaia.

Veredito

A todo momento, Deadpool é provocado pelos vilões com uma tentação peculiar, uma insistência em que ele precisa querer ser relevante. E essa parece ser a mesma armadilha em que os próprios filmes de super-herói se prenderam após Vingadores Ultimato. Depois de tantos anos medindo relevância por quanto um filme acrescentava para o enredo maior de uma saga cinematográfica, quando o público para de se importar com isso, o que fazer?

O segredo de Deadpool é que ele não quer ser relevante. Este não é seu objetivo. É uma consequência. Na trama, a meta do herói sempre é a mesma: reconectar com seus amigos. Ele aposta na força dos laços, dos relacionamentos, o que pode ser o caminho para o futuro da indústria. Mais filmes construídos para favorecer seus personagens, focado apenas em contar uma boa história sobre bons heróis. Menos filmes sobre eventos grandiosos que precisam se conectar com o futuro. Menos Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. E mais Deadpool e Wolverine.

Deadpool & Wolverine

Gabriel Mattos

deadpool and wolverine

Continuando a tradição da franquia, Deadpool & Wolverine continua sendo sanguinário, irreverente e ridículo, só que agora esbanjando rios de dinheiro em seu orçamento. A trama não tem tanta profundidade, mas compensa com roteiro afiado com homenagens sinceras.

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