Crítica — Mufasa: O Rei Leão faz o melhor que pode, apesar do visual nada convincente

Mufasa O Rei Leao CAPA
Mufasa O Rei Leao CAPA

Filme apresenta uma história interessante que poderia empolgar mais com um visual mais cativante

Apesar de ter conquistado o título de animação de maior bilheteria da história do cinema, O Rei Leão, de 2019, dividiu opiniões com seu visual. Parte considerável do público sentiu falta da emoção nos modelos fotorealistas dos personagens. Deixaram a magia do original de lado em nome de apresentar “leões de verdade”. Cinco anos depois, Mufasa: O Rei Leão, nova aposta da Disney, chega para contar uma nova história, bem promissora, mas sofre para superar os erros do seu legado.

Ficha Técnica

Mufasa O Rei Leão Poster

Título: Mufasa: O Rei Leão (Mufasa: The Lion King)

Estúdio: Disney

Estreia: 19 de dezembro

Duração: 1h 58m

Gênero: Aventura, musical

Diretor: Barry Jenkins

Roteirista: Jeff Nathanson

Elenco: Beyoncé, Mads Mikkelsen, Blue Ivy Carter, Donald Glover, Aaron Pierce e mais

Sinopse: Em uma era em que cada leão podia ser o rei de sua alcateia, um Leão decidiu exterminar todos que não se curvavam a ele. Mufasa precisa fugir de seu exército enquanto busca a terra prometida.

O que funciona em Mufasa: O Rei Leão?

Com uma trama original, Mufasa: O Rei Leão conta a história do pai de Simba, do filme original. Acompanha a árdua trajetória do personagem de um órfão exilado em um jovem digno de ser um rei, que infelizmente não nasceu com sangue real. Uma premissa bem interessante que abre espaço para questionar o conceito de realeza, a importância de conexões de sangue e até mesmo papéis de gênero. Mas longe de discussões políticas, o filme está mais interessado em mergulhar nas questões emocionais.

Se a relação paternal entre Mufasa e Simba era o coração do filme clássico, o novo longa acerta ao escolher a fraternidade de Taka e Mufasa como âncora emocional. A dinâmica entre os dois irmãos, ligados por um vínculo muito mais forte que o sangue, nasce de forma bastante genuína, em um momento com uma referência sagaz a uma cena chave da animação original, e floresce com uma profundidade espantosa. Esses personagens são bem interessantes por si só, mas juntos são um deleite absoluto.

Mufasa, que chega na alcateia como um exilado, acaba sendo criado pelas leoas, aprendendo assim habilidades essenciais que nenhum outro leão no mundo tem o conhecimento. Esse pequeno ponto na sua origem, por si só, dá margem para uma série de discussões sobre papéis de gênero, mas o mais relevante para a história é perceber como isso lhe molda no herói da história.

Mufasa O Rei Leao Taka e Mufasa
A relação entre Taka e Mufasa carrega o filme (Créditos: Disney)

Taka, por outro lado, herda os hábitos torpes de sua criação patriarcal. Como filho do rei, foi criado para apenas curtir os privilégios, sem se preocupar com seus deveres. E a vida acaba lhe cobrando por essa criação rasa com o tempo. Muitos dos conflitos em que o personagem se envolve surgem deste lugar de despreparo, resultante de sua criação, o que rende um personagem cheio de defeitos que conquista a simpatia do público em seu esforço para compensar seus pontos fracos.

E quando estão juntos, Taka e Mufasa alimentam o desenvolvimento um do outro, evoluindo seus personagens de uma forma bastante bonita e sincera. A maior força de Mufasa: O Rei Leão são seus personagens. Não apenas os irmãos, mas também os demais animais que entram para seu bando, como Sarabi, Rafiki e a melhor versão do Zazu. E especialmente seu vilão, o confiante leão albino Kiros, interpretado por Mads Mikkelsen.

O objetivo de Kiros é unificar todas as alcateias como o único Rei Leão e para isso ele está caçando todos os concorrentes ao trono da selva. Sua motivação também ganha um tom emocional, o que aproxima ainda mais do protagonista, especialmente quando ele repete seu lema: “Tudo que o sol toca pertence a mim”. Não preciso falar da presença estarrecedora que Mads consegue imprimir em qualquer vilão que interprete, mas o que Kiros acrescenta ao filme é ainda maior.

Mufasa O Rei Leao Kiros
Kiros, o leão albino, é um vilão de gelar a espinha (Créditos: Disney)

O leão albino expande o universo do longa como nenhum outro personagem. A sua obsessão pelo trono serve como um ótimo contraponto para as ideias mais cooperativas de Mufasa sobre o que é ser rei e também promove uma reflexão interessante sobre o verdadeiro significado do título do longa. O Rei Leão, porque Kiros garantiu que haveria apenas um. E a forma como incorpora uma frase tão icônica da animação clássica e muda completamente o seu contexto também trás um arrepio na espinha. Como uma citação tão leve pode ganhar um tom tão sombrio e autoritário mudando apenas quem está por trás da fala, né?

A própria caçada de Kiros atrás de Mufasa força o protagonista a percorrer uma grande variedade de cenários que Simba jamais teve a chance de explorar no filme original. Com isso, o diretor consegue explorar muitos lugares visualmente interessantes que trazem uma quebra àqueles tons terrosos sem vida da savanna. Rios, selvas verdejantes, montanhas geladas, cavernas místicas… A ambientação está muito mais variedade e traz um dinamismo maior pra história, que não parece parada no mesmo ponto.

Uma sensação que é reforçada pelo trabalho do próprio diretor. Diferente de O Rei Leão de 2019, que tinha um jogo de câmera bem estático e pouco inspirado, Barry Jenkins sabe brincar com a câmera para trazer uma fotografia mais envolvente. A ação tem mais vida, mesmo que isso não resolva os principais problemas do filme.

O que não funciona em Mufasa: O Rei Leão?

Mufasa O Rei Leao Filhotes
Prometido aumento de expressões só acontece no começo (Créditos: Disney)

O visual hiper realista ainda é um tiro no pé. Joga mais contra que a favor da história. No primeiro ato, em que a versão criança do Mufasa é mais proeminente, até parece que os modelos dos animais estão mais expressivos. Mas é só a história avançar para a versão jovem do herói, que acompanha o público pela maior parte do filme, que o problema retorna com força.

Assistir ao Mufasa, em sua aventura emocional pela África, é o mesmo que encarar um leão no zoológico. Não dá para realmente saber o que ele está sentindo. Seu semblante é sempre o mesmo. Todo o impacto emocional que a história trágica sobre dois irmãos destinados a se separarem vai pelo ralo. Um roteiro bem competente acaba sendo desperdiçado por uma decisão puramente executiva que fere a visão artística do projeto.

Não bastasse o visual pouco inspirado, o lado musical segue o mesmo caminho. Mufasa tem bem menos canções que o filme original, o que por si só é um sinal de alerta. Números musicais são o climax emocional de filmes desse tipo. E em uma história que tenta se carregar em emoções tão universais, quanto o amor fraternal, música seria a melhor forma de traduzir a complexidade dessa trama, o que não acontece.

Mufasa O Rei Leao Seco
Canções sem vida acabam com o ritmo do filme (Créditos: Disney)

Nenhuma das composições de Lin-Manoel Miranda chega perto de expressar algo minimamente tocante. A única canção com alguma emoção acaba sendo a última, que também recebe a melhor cena musical, mesmo que ainda não seja nada marcante. Assim como muitos outros musicais em “live-action” da Disney, como A Bela e a Fera e o próprio O Rei Leão, Mufasa tem uma dificuldade tremenda de traduzir o brilho e a energia caótica dos números musicais das animações da Disney em algo interessante em um cenário mais realista. O resultado é algo sem vida e sem foco, que perde feio até mesmo para videoclipes de divas pop, com o orçamento muito menor.

Ao invés de impulsionar a narrativa, resolvendo conflitos emocionais sem perder o ritmo da trama, as canções acabam tendo o efeito contrário. Se a relação entre Taka e Mufasa é a âncora emocional, que prende a trama no coração do público, as músicas são como um furo no casco de um barco, que apenas ajuda uma embarcação bem sólida a afundar e perder o seu rumo. Algumas outras decisões executivas menores servem como a pedra final que empurra Mufasa cada vez mais para o fundo.

A primeira são referências desnecessárias ao filme original que só parecem fora de lugar. Frases em um novo contexto que trazem um novo peso para a narrativa são mais do que bem-vindas, promovendo conexões que aprofundam a história, ligando temas contemporâneos com os originais. Agora, quando são apenas menções a momentos marcantes da animação em uma tentativa descarada de apelar para a nostalgia do público, não funciona e ainda atropela o ritmo da história. Na verdade, soa como uma ofensa à boa-vontade do espectador.

Mufasa O Rei Leao Timao e Pumba
Timão e Pumba ficam em uma caverna, atrapalhando Rakifi a contar a história (Créditos: Disney)

Acontece de forma tão seca que não houve sequer uma tentativa de disfarçar como decisão artística. É assumidamente uma exigência dos investidores, que precisam garantir um sucesso de bilheteria a qualquer custo. Assim entra na trama, mesmo que não haja espaço para tal, uma cantoria de Hakuna Matata, esvaziando o significado da música libertadora do filme original.

Esvaziar significados parece a marca de Mufasa: O Rei Leão. A inclusão insistente de Timão e Pumba, que não pertencem sequer à história, é um claro exemplo. A dupla é introduzida como meres espectadores, ouvindo da boca de Rakifi o que aconteceu no passado. E isto não seria um problema se não forçassem sua participação devido a popularidade estrondosa dos personagens. Sem qualquer cerimônia, a dupla interrompe o filme para acrescentar comentários completamente irrelevantes que tentam arrancar risadas do público ao custo do ritmo da trama. Um tiro no pé que apenas destrói a imersão da história.

Manter a imersão, inclusive, parece algo que o filme luta bastante para conseguir. A própria narração do Rafiki acaba tendo um efeito adverso que os produtores não consideraram na hora de projetar o filme. Devido ao visual hiper realista, em que os animais parecem reais, a narração de fundo do primata passa uma impressão de estar assistindo um simples documentário do Animal Planet — um atestado da falta de magia deste filme. Tão trivial que a realidade da vida animal poderia ser mais interessante.

Mufasa: O Rei Leão

Gabriel Mattos

Mufasa O Rei Leao
Visual
Roteiro
Direção

Veredito

Mufasa: O Rei Leão é uma história original promissora, que consegue construir uma mitologia muito interessante para sustentar a aventura que já conhecemos. E apesar da dinâmica do elenco ser bastante envolvente, todos os demais elementos do filme se esforçam bastante para perder a atenção do público. No final, é uma luta entre duas visões diferentes, uma trama bastante apaixonada contra uma estética sem vida, se enfrentando como dois leões rivais, e só o espectador pode dizer quem vai ganhar.

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