Crítica: Sol de Inverno é o filme de Yuri on Ice que nos prometeram esse tempo todo

Sol de Inverno My Sunshine CAPA

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Imagine um filme que aborda com delicadeza a relação de um professor de patinação do gelo com seu aluno prodígio, enquanto a dupla pratica para um grande campeonato. Soa bastante como o tão prometido longa de Yuri on Ice, mas essa é a história de Sol de Inverno, o novo projeto escrito, filmado, dirigido e editado por Hiroshi Okuyama. Com um visual muito particular, o drama japonês, que impressionou cineastas de todo o mundo no Festival de Cannes, mostra um rápido recorte de como pode ser frio e solitário ser diferente na terra do Sol Nascente.

Ficha Técnica

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Título: Sol de Inverno (Boku no Ohisama)

Estúdio: Tokyo Theaters

Estreia: 16 de janeiro

Duração: 1h 30min

Gênero: Drama

Diretor: Hiroshi Okuyama

Roteirista: Hiroshi Okuyama

Elenco: Sosuke Ikematsu e mais

Sinopse: Um atleta aposentado decide ensinar um menino o caminho da patinação artística para tentar reencontrar o brilho em sua vida.

O fenômeno de Yuri On Ice

Yuri On Ice

O tom da obra talvez seja o que mais contrasta com o anime de 2016. Enquanto a animação concentrou todos os seus esforços em construir uma atmosfera radiante para seus protagonistas, Sol de Inverno, ou Boku no Ohisama no original, abraça a frieza que a mesma narrativa teria no mundo real. De certo modo, comparando as duas produções, Yuri on Ice idealiza, de forma bastante esperançosa, como o mundo deveria ser, enquanto o filme de Okuyama retrata a dura realidade como ela é.

Pode parecer estranho que, em uma conversa sobre um longa cultuado, uma jovial série de anime seja tão citada desta forma. Porém nenhuma produção exportou discussões sobre representatividade queer na mídia japonesa com tamanha força para o público internacional quanto Yuri on Ice. Mesmo com todas as restrições envolvidas, o projeto do Studio Mappa, o mesmo de Jujutsu Kaisen, soube trabalhar a homossexualidade na TV aberta do Japão sem perder a sinceridade.

Foi a primeira vez que muitos rapazes, que passaram a vida acompanhando animes de lutinha que ignoravam a sua existência, puderam ver o seu amor por outros rapazes sendo representado nesta mídia. Nem preciso dizer que essa coragem teve um impacto imensurável na indústria audiovisual japonesa.

Um filme, trazendo um mergulho mais profundo no passado do professor, foi logo prometido. Com o passar do tempo, sem grandes atualizações, acabou sendo esquecido. Não pelos fãs, mas pelo próprio estúdio que focou em projetos mais quentes. Até que enfim, em 2024, foi oficialmente cancelado. Quem ainda tinha esperanças de ver essa história ganhar vida algum dia, de alguma forma, vai encontrar um grande conforto em Sol de Inverno.

O que esperar de Sol de Inverno?

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A trama se concentra na vida de Arakawa, um professor de patinação no gelo que precisou se mudar para uma cidadezinha remota do Japão para reconstruir a sua vida. Ele tentou ocupar seus dias treinando a jovem Sakura, de maneira bastante rígida, porém só quando percebeu o talento do pequeno Takuya que o brilho voltou para a sua vida.

A relação quase parental, que surge de forma muito espontânea entre a dupla, é o coração do filme. As primeiras cenas, que antecedem a introdução dessa dinâmica, tem uma certa dificuldade em prender a atenção, com uma escrita um tanto apática. Porém, o encontro desses dois bombeia vida no longa, como se estivessemos sentindo a história da mesma forma que o professor. Assim como sua vida ganha um novo sentido com a chegada deste aluno, o filme ganha sentido com a troca sincera entre os atores.

Como um verdadeiro encontro de almas, a reunião dos personagens convida o público a uma viagem introspectiva nos dilemas pessoais da dupla. Arakawa, que largou uma carreira de sucesso para viver um amor proibido, enxerga em Takuya o menino que um dia foi, cheio de sonhos e esperanças. E o jovem vê no mentor alguém com quem pode ser vulnerável sem ser julgado. Um verdadeiro parceiro para navegar a fase confusa que pode ser a pré-adolescência, especialmente em um país em que toda a sociedade parece ter uma expectativa muito bem formada de quem você deveria ser.

Sol de Inverno My Sunshine

Nesse contexto, a patinação artística funciona quase que como uma linguagem em comum. Por meio de piruetas, giros e saltos, eles conseguem se aproximar e trocar essas experiências, mesmo sendo pessoas bem diferentes entre si. Além de tocante, acaba virando um espetáculo visual para o público, assistir sequências e montagens muito bem filmadas, que trazem um quentinho no coração.

Chega a ser perceptível o quanto essas cenas, que envolvem as danças de patinação artística, importavam para o diretor Okuyama. Tem um olhar bastante particular na construção visual dessas cenas, que destoam do restante do filme e trazem uma qualidade quase que onírica. Abusam de névoa, que torna a silhueta dos atores mais difusa, como se alguém estivesse tentando lembrar de um sonho antigo. Ao mesmo tempo, a fumaça densa tornam os feixes de luz, que invadem o cenário, mais presentes, como holofotes. O resultado é uma experiência visual sublime, que consegue um efeito astral sem a necessidade de computação alguma.

Provavelmente o que mais chama atenção no filme sejam exatamente as decisões bastante atípicas, carregadas de personalidade, que Okuyama tomou no modo em que as cenas são filmadas. A começar pela proporção clássica de TVs antigas, aquele estilo quadradão de 4:3, que cria um quadro mais estreito para mostrar a ação. Naturalmente, esse espaço visual mais limitado força um sentimento opressivo no público. Como se alguém estivesse tentando forçar uma visão de mundo mais limitada em você. Uma visão que você sabe que poderia ser mais ampla, como o protagonista se sente vivendo nesta cidade pequena depois de ter brilhado na cidade grande.

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Outra escolha interessante é distanciar, em vários momentos, o objeto da cena da visão do público. Isto é, muitas vezes, enquanto os atores estão conversando, a câmera está posicionada em um lugar mais distante do que o esperado. O momento em que mais me marcou foi em uma conversa dentro de um carro em que os personagens conversavam tranquilamente no banco da frente, mas a cena estava sendo mostrada da perspectiva do fundo do carro, com um mar de caixas entre o público e os atores. Dessa forma, com algumas sacadas interessantes, o diretor consegue traduzir visualmente a distância emocional que o protagonista sente o tempo todo, o isolamento de viver em um lugar onde não é bem-vindo.

Esta é uma das características que mais me atrai no cinema japonês. Geralmente, seus filmes conseguem falar muito sem usar palavras e Sol de Inverno não é uma exceção. Este é um filme que tem muita facilidade em transportar o público para o mesmo estado mental do protagonista e usa todas as armas a seu dispor para garantir isso. Claro, a direção única de Okuyama, por si só, tem um poder tremendo, mas que não funcionaria se não fosse a atuação elegante de Sosuke Ikematsu.

Talvez você lembre vagamente de ter visto Sosuke há mais de 20 anos, como o menininho de O Último Samurai, estrelado por Tom Cruise. Este foi o primeiro trabalho do ator nos cinemas e, desde então, ele vem acumulando experiências em produções japonesas que o tornaram extremamente competente em demonstrar emoções com muito pouco. Mesmo com um personagem bastante fechado, que se protege do mundo exterior, sempre fica bastante claro o que está na sua mente. Seja por conta de um olhar diferente ou uma expressão mais contida, ele transborda as vulnerabilidades de um homem desesperado para parecer forte.

Sol de Inverno (ぼくのお日さま/Boku no Ohisama)

Gabriel Mattos

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Visual
Roteiro
Direção
Atuação

Veredito

Sol de Inverno é uma sensível história de um homem que enxergou sensibilidade em uma criança e decidiu lhe ensinar as ferramentas para protegê-la em uma sociedade hostil. Consegue encontrar beleza em seus momentos felizes, graças a elegância da direção e atuações competentes. Uma experiência imperdível para quem gosta de um bom drama ou simplesmente sente falta do sentimento confortante de Yuri on Ice.

4.5

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